31/03/2008

The Beatles (the White Album) . The Beatles

Todas as obras dos Beatles foram mais ou menos consensuais na crítica, consensuais na interpretação da generalidade dos temas e, sobretudo, consensuais no coração das pessoas. Todas menos uma.
Sinal de tempos conturbados, interna e externamente, aparece-nos uma capa branca, expressão nenhuma de quem não consegue convergir numa só imagem e numa só aproximação. Eis a mais escrutinada e polémica obra de sempre.







The Beatles
(the White Album) - 1968









Depois da revolução que havia sido Sgt.Peppers, não havia quem não sentisse um certo aperto com a eventualidade de um novo album. Aquela singularidade era inultrapassável e mundo divorciava-se, enfim, do verão do amor que Pepper havia ajudado a criar.

O que havia de surgir, sob a forma de um duplo album, seria não tanto uma entidade em si, mas um conjunto de músicas, sem sequência lógica (excepto a última), sem estrutura, de todas as formas, de todos os géneros. Seriam no entanto, algumas das melhores do seu vasto reportório.

Numa época pródiga em quantidade de composições, nomeadamente devido à viagem espiritual (para alguns) à Índia, foi decidido não deixar qualquer uma de fora, o que deu origem a um conjunto instável, que nunca sendo coeso, se tornou numa unidade confusa e estilisticamente diversa.

O 1º disco, que começa com o vivo e vibrante "Back in the USSR" de Paul, é talvez o melhor pelo brilhantismo de composições como "While My Guitar Gently Weeps" de George, "Blackbird" de Paul e duas de John, a linda balada "Julia" e o rico "Happiness is a Warm Gun". Não se esgota aqui a qualidade. O invocativo "Dear Prudence" é fantástico na aproximação gentil que faz à vida, "Glass Onion" desafia ironicamente o mito "beatlesco" e Paul tem em "Ob-la-Di Ob-la-Da" uma das suas famosas canções e em "Martha My Dear", "Rocky Racoon" e "Why Don't We Do It In The Road" das mais interessantes, a primeira por força da riqueza musical e a duas últimas pela inovação temática, crueza e originalidade.

O lado 2, apesar de menos interessante musicalmente, é também pleno de inovação. O proto-metaleiro "Helter Skelter" redefiniu a ideia de pesado, "Everybody's Got Something to Hide Except For Me and My Monkey" segue a mesma onda de "Why Don't We...." na simplicidade da letra mas é musicalmente apelativo pela inteligência rítmica e vivacidade. Encontramos até John fazendo um blues repressivo e zangado com "Yer Blues" e orquestrando uma das mais interessantes composições musicais do albúm, com "Sexy Sadie", uma suave nota de culpa, melódica e polémica, devido à associação com o guru Maharishi.
Outras faixas de referência são "Revolution 1", uma mensagem política contra a revolução violenta que muitos achavam necessária naqueles tempos conturbados (procure-se no You Tube uma versão mais acelerada), "Long Long Long", que é uma das mais sub-estimadas canções do grupo e "Savoy Truffle", que prima sobretudo pela piada.

Se não se concordar com a sua qualidade, concorde-se quanto á riqueza e modernidade dos temas, com a sua intemporalidade e, sobretudo, com a forma como esta é uma obra do seu tempo. Nós, que vivemos na era do cd e do mp3, podemos ignorar as faixas (e lados) que menos gostamos, mas aconselho a que ouça, pelo menos uma vez, o album na sua integralidade desconexa, e se aprecie, à "moda antiga", a experiência musical que é uma das obras mais polémicas e marcantes de todos os tempos.

10/03/2008

Grace . Jeff Buckley

Numa década pródiga em figuras míticas, talvez uma das maiores tenha sido Jeff Buckley. Dono de uma voz etérea e de um carisma pouco comum num tempo dominado pelo grunge e pelo desapego, Jeff, muito por força deste albúm, constituiu um autêntico oásis de forma, originando aqui um legado que se movimenta ainda hoje.








Grace, 1994











Todo o albúm gira à volta do portento que é a sua voz, que sendo um verdadeiro instrumento, nos mostra vários estilos e várias cadências. Seria, entanto, injusto caracterizá-lo somente com base nesta qualidade. A instrumentação, fundamentalmente rock, é rica e variada, e as composições são de uma sensibilidade raramente vistas nesta época. No meio de temas loucamente conscientes como "Grace" com os seus mágicos crescendos no refrão e a sua demência final, doces e românticos como "Lover, You Should Have Come Over", encontramos uma tão grande palete de influências e estilos que nunca soa desagregada e difícil. "Lilac Wine" é arrepiante no seu falso minimalismo, "Last Goodbye" é de agradável digestão e, um dos pontos altos do albúm, o fabuloso cover de "Hallelujah" é o confirmar de que esta é realmente uma obra superior.
Pretensão é algo que não falta a um album de estreia, que ao mesmo tempo se tornou o seu final. A complexidade e a coesão de todos os temas quase nos obriga a especular no que este homem teria feito, tivesse vivido mais tempo.
É sem dúvida, para mim, uma das obras definitivas da década de 90, não só pela invulgar qualidade dos recursos utilizados, nomeadamente da sua ridiculamente fabulosa voz, mas muito por culpa de um ecletismo que nunca o torna monótono ou repetitivo.

Obrigatório.

02/03/2008

Revolver . The Beatles

Para George Harrison, esta não é mais que a parte dois de Rubber Soul uma vez que são albuns deveras similares na sua concepção. Permitam-me discordar de Sir Georgie, mas a meu ver estamos na presença Rubber Soul + 1. É sem dúvida mais eléctrico e mais eclético e, embora não tenha hinos como In My Life, é mais regular na qualidade. Apesar de, pessoalmente, não ter qualquer preferência entre um e o outro, considero este um produto mais coeso, mais pretensioso e ainda mais adulto. Eis o rock em territórios inexplorados até então.











Revolver, 1966







A modernidade ataca logo com "Taxman", onde George se volta a superar e onde a secção rítmica é absolutamente brilhante (especial atenção ao baixo). Uma ode aos roubos do Estado, onde a personalidade é vincada na guitarra solista, que acompanha toda a música. Esta guitarra já se tinha visto nas anteriores obras de George, e é muito característica sua.
Segue-se um caminho totalmente novo, "Eleanor Rigby". Uma das mais importantes peças de Paul Mccartney. Orquestra de cordas e voz, ingredientes mais do que suficientes para criar uma atmosfera triste, densa e de fortes emoções. Absolutamente marcante.
Pessoalmente uma das minhas favoritas, "I´m Only Sleeping" fala sobre os prazeres de dormir, e na distância que se sente em relação à realidade do mundo quando se viaja durante o sono. É uma canção que nos envolve na sua simplicidade, que nos aconchega na sua cor e vibrância. A voz de John é absolutamente encantadora e a honestidade do pedido que nos faz é encarecedora. Obviamente que não se podia deixar de referir o solo de guitarra invertida, cuja ideia surgiu por acidente, mas que mostra a vontade de explorar novos sons e novas maneiras de fazer música. E resulta, tal como toda esta faixa.
"Yellow Submarine" dispensa qualquer tipo de apresentação, e "Love You To" é para mim uma obra indiana menor comparada com a que George mostraria em Sgt.Peppers. No meio destas duas há, no entanto, uma música que em muito lembra Rubber Soul. "Here, There and Everywhere" em nada fica a perder para as composições mais doces do albúm anterior. Paul Mccartney tem realmente um poder qualquer em fazer composições que nos fazem sentir felizes. Quente, serena e tremendamente romântica.
"She Said" é outra obra prima. Uma das melhores letras, numa das melhores baterias, numa canção que muda de ritmo a cada segmento, mas que ao mesmo tempo nunca perde integridade e algum exotismo. Se AINDA havia dúvidas acerca da genialidade de John Lennon como compositor, elas desapareceram aqui.
De "Good Day Sunshine" não sou particularmente fã, apesar do seu optimismo inabalável, não considero que seja particularmente interessante, mas de "Your Bird Can Sing" sou, especialmente na forma como nos agarra imediatamente com aquele duplo riff e nos leva a fazer uma curta viagem. A letra não é muito interessante, mas o alegre clima fala por si.
"For No One" é uma triste música sobre a dificuldade em acabar uma relação, e a dificuldade em quebrar a ligação sentimental com a pessoa que se ama. A composição é interessante e serve de bom tónico para quebrar o optimismo das músicas anteriores.
Mas "Dr. Robert" sim, é verdadeiramente interessante. Primeiro porque é sobre um médico que prescreve drogas, depois porque se ouvem harmonias vocais completamente novas, e um segmento ("Well, well, well, you´re feeling fine") que remete para o uso das referidas drogas. Tematicamente abriam-se anda mais os horizontes.
"I Want To Tell You" é o perfeito exemplo de música a acompanhar a letra. Apesar de não gostar muito, admiro a forma como a falta de auto confiança, a dúvida são acompanhadas por aquelas inversões no piano e pela desarticulada harmonia vocal que complementa a narrativa.
Outra música tradicional de Paul Mccartney é "Got to Get You Into My Life", de que, francamente, não são fã, a não ser que esteja alcoolizado. É daquelas músicas interessantes de ouvir só por ouvir, num dia triste. Exactamente o contrário de "Tomorrow Never Knows", a única música escrita sobre uma "trip", sempre na mesma nota, e com os seus inúmeros elementos, algo aleatórios que nos remetem para a mente caótica de quem está, exactamente, no meio de uma viagem alucinogénica. A letra é inspirada no "Tibetan Book of the Dead", de Timothy Leary, o padrinho do LSD. Apesar de parecer sempre igual, há pormenores a reter, como os pratos na bateria de Ringo e a produção na voz de John. Uma das músicas mais revolucionárias do seu tempo.

Revolver é, sem dúvida, o passo lógico a dar depois de Rubber Soul. Mais experimentação, uma sonoridade mais moderna, novas temáticas e, sobretudo, a mesma qualidade musical, o mesmo appeal, a mesma capacidade de entreter e fascinar ao mesmo tempo. Considerado por alguns como o melhor album de todos os tempos, esta é, sem qualquer dúvida, a confirmação da genialidade criativa de uma banda que se construiu à volta de conceitos passados, e se catapultou definitivamente para o futuro com obras deste calibre. E melhor ainda estaria para vir.