16/02/2008

Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band . The Beatles

Descrito uma vez como "um momento decisivo na história da civilização ocidental", este albúm é, simplesmente, o ponto mais alto de um período de experimentação que tinha começado com Rubber Soul. É o cúmulo brilhante das novas tendências e uma revolução na maneira de ouvir música. Eis o que muitos consideram o mais influente albúm de sempre.








Sgt. Pepper´s Lonely Heart Club Band, 1967








Estamos no âmago da época psicadélica, da revolução cultural, onde novas ondas de pensamento e uma forte propensão à experimentação estavam no ar. O movimento hippie começava aganhar forma e a juventude do baby boom começava, finalmente, a mostrar a sua garra.
Entretanto a maneira de fazer música começava a mudar aos poucos, em grande medida pela influência de Bob Dylan, das suas letras e temas introspectivos e mordazes e de um constante brotar de novas bandas que surgiam prontas a inovar.

Entretanto, os Beatles, que haviam abandonado os espetáculos ao vivo para dedicarem mais atenção à qualidade artística da sua música, demoravam a lançar novo material. Revolver já havia saído há muito tempo, e a especulação era muita acerca de um possível esgotamento criativo ou até mesmo do fim da banda. A fasquia estava alta, especialmente depois do lançamento do eclético "Pet Sounds" dos Beach Boys, que em muito havia de influenciar a instrumentação do novo albúm. No entanto, na altura, ninguém tinha noção do que iria sair dos estúdios de Abbey Road.

A capa, eminentemente psicadélica, cheia de vivacidade e cor, funciona como que um "mood-setter" para um conceito de albúm que, apesar de não se confirmar plenamente, não deixa de ser convidativo. A introdução, homónima do albúm, é um autêntico prólogo ao vivo, ritmado e intenso, que apresenta Sgt.Pepper e a sua banda. Este dá seguimento ao "act" de Billy Shears, que é Ringo cantando "With a Little Help From My Friends", um lamento optimista face às agruras da vida e aos julgamentos exteriores, devidamente acompanhado pelas vozes em coro dos seus amigos. Até ao Reprise, não vamos ter mais qualquer menção ao conceito que parecia seguir forte até aqui e que surgiu, lembre-se, com o objectivo de levar um concerto ao vivo à casa de cada um.

Facilmente se esquece o desmoronar do conceito, com "Lucy in the Sky With Diamonds", um hino à psychadelia onde somos convidados a viajar por um estranho mundo, repleto de cores, texturas e vibrações. Composta maioritariamente por John Lennon e baseada num desenho do filho Julian, esta é uma música que verdadeiramente nos faz viajar e nos pinta quadros coloridos na mente, especialmente nas partes em que a guitarra acompanha, nota a nota, a voz (acelerada) de John. A instrumentação também é de particular nota, prestem atenção à variedade de sons que conseguem distinguir.

"Getting Better", de Lennon e Mccartney, é outro hino ao optimismo face à adversidade. John tem aqui, para tipicamente sua, mordaz e sarcástica linha "It can´t get no worse", uma nota autobiográfica depois do segundo refrão, onde admite ter sido abusivo para as mulheres da sua vida. Interessante a forma como, de repente, nessa parte, toda a música fica mais escura e o tom menos colorido. Excelente.

"Fixing a Hole" trata de dispersão mental e dúvida existêncial, procurando-se um rumo, algo não derivativo, para se obter auto definição. Cheia de variações melódicas que acompanham a narrativa, e com uma excelente utilização do cravo (harpsichord), esta é uma música revolucionária não só pela musicalidade mas como pelo tema abordado.

"She´s Leaving Home" é uma magnífica composição harmónica de Paul Mccartney sobre a fuga de casa de uma adolescente a quem se havia dado tudo, menos liberdade. Particularmente focada na reacção dos pais, especialmente nos lamentos do refrão, este é outro tema que foge completamente de qualquer conceito mainstream daquele tempo. Brilhante.

Mas mesmo revolucionária é "For the Benefit of Mr.Kite", totalmente inspirada num poster de circo do século XIX, encontrado por Lennon numa loja de velharias. Virtualmente TODA a letra foi directamente extraída do poster. A criação de uma ambiência adequada ao majestoso caos circense é conseguida com o recurso a um sem número de elementos impensáveis, mesmo na altura. Gravações revertidas, harmónicas, cravo, sons de feiras populares, tudo se conjuga de forma magnífica para pintar um verdadeiro quadro de som, no qual somos facilmente imersos ao longo de dois minutos e meio de pura magia. Assim acaba do lado A.

"Within You and Without You" é a melhor música de influência indiana de George (do conjunto de cerca de 3 ou 4 que possuem tais elementos). Sensual e com uma linda letra, juntou de forma brilhante dois mundos totalmente diferentes e opostos.

"When I´m Sixty-Four" não é exactamente uma música do seu tempo uma vez que tinha escrita por Paul já há muito tempo, mas é doce e humilde como poucas. A prova de que pouca pretensão e simplicidade também fazem uma muito boa música. Atenção à instrumentação.

Mais complexa e brilhantemente produzida é "Lovely Rita", sobre uma polícia de trânsito americana que (diz-se...) fascinou Paul. Apesar de não ser particular fã da letra, gosto imenso da orquestração vocal, da fantástica bateria e da parte final, onde parecem todos estar sob o efeito de drogas alucinogénicas. Tema riquíssimo.

"Good Morning" não é exactamente uma favorita, isto porque me parece que o uso de imensos complementos sonoros e efeitos a torna confusa e pouco melódica. Não deixa no entanto de ser uma música interessante, onde a utilização de sons de animais é inspiração directa de "Pet Sounds".

O Reprise de Sgt. Peppers segue a mesma estrutura da introdução mas em tom de despedida e com uma sonoridade mais pesada. As últimas palmas introduzem a que é, discutivelmente, uma das melhores músicas de sempre e um verdadeiro marco na história da pop. "A Day in the Life" é uma fusão de duas músicas, uma de John, outra de Paul, que se complementam na sua diferença. Começa-se com a voz arrepiante de John a descrever eventos que havia visto no jornal, complementanda por magníficos drum fills de Ringo. Os pequenos crescendos culminam depois num crescendo orquestral que, após o climax, introduz a parte de Paul, uma refrescante descrição quotidiana que termina numa queda num sonho, onde está John de novo a descrever-nos eventos e desejos. A música termina, enfim, noutro clímax orquestral, desta vez seguido de um épico acorde em 3 pianos diferentes, o fim mais famoso de qualquer albúm na história da música. De cortar a respiração.

Pode dizer-se que, naquele mês de Junho de 1967, não saiu mais do que um fruto do seu tempo e da mentalidade das suas gentes. Desde a capa, até ao título, passado pelo (falhado) formato conceptual, não há representação mais perfeita do que foram aqueles anos. Este é, no entanto, uma obra que ultrapassa o seu tempo, que para além de dele se ter alimentado, o alimentou... pelo espírito, pela novidade dos temas e pela inovação nas sonoridades.
Para além de ter iniciado oficialmente o "Verão do Amor", Sgt.Pepper´s abriu portas que todos hoje damos como garantidas e banais e mostrou-nos o que nós próprios conseguiríamos fazer. Phil Collins uma vez disse " abriu a porta de um outro quarto, e mostrou que também ali se podia brincar", e se eles brincaram, todo o mundo o podia fazer... e fez.

2 comentários:

Anónimo disse...

Mais uma crítica muito boa.

Antes deste disco, os Beatles lançaram um duplo single: "Strawberry Fields Forever / Penny Lane", sendo que a primeira destas músicas é que é, para mim, a melhor de sempre.

Fala daquilo que se quiser que ela fale. Pode falar da infância, drogas, sonho, dispersão mental, indecisão, inocência, etc, etc, etc.

Já para não falar dos SONS incluídos. É uma música perfeita, desde o início com o mellotron até ao solo final com um instrumento indiano de que agora me escapa o nome.

Luís, Porto

O Bom. disse...

Cítara :)

E sim, a "Strawberry Fields Forever" é, de facto, revolucionária, e uma das melhores músicas de sempre, definitivamente.